Só Deus é de Grande Valia
Autor: Edigles Guedes
No mundo desmantelado:
Cada qual vive por si,
E todos são contra todos.
Como carro sem chassi,
Andam com pressas nas calças,
Num gigante frenesi.
Mas inda existem sujeitos
Que renunciam a fé.
Inda não comem o bife,
Inda não bebem café,
Nem por isso eles desistem…
Mastigam magro nafé.
Que renunciam a fé.
Inda não comem o bife,
Inda não bebem café,
Nem por isso eles desistem…
Mastigam magro nafé.
E arrotam puro maxixe.
Nesses versos tão marotos,
O leitor verá que a fé
Vence os caminhos ignotos.
A vida é sem por acasos,
Que nem navios com pilotos.
Não cai folha duma árvore,
Não crescem cabelos brancos,
O Sol navega seu tanto,
Barco vai a solavancos.
São planos da Providência,
Com os trancos e barrancos.
Não crescem cabelos brancos,
O Sol navega seu tanto,
Barco vai a solavancos.
São planos da Providência,
Com os trancos e barrancos.
Num povoado, em caixa-pregos,
Morava um rei cabuloso,
E, também, um velho ancião.
O último era portentoso;
Pescador de águas profundas;
Cabungueiro e corajoso.
Remendava o senhor rei.
E sempre quando podia,
Retrucava o seu ditado.
Pescador velho dizia,
Aos seus botões encardidos:
— Só Deus é grande valia!
E sempre quando podia,
Retrucava o seu ditado.
Pescador velho dizia,
Aos seus botões encardidos:
— Só Deus é grande valia!
O Altíssimo realizava
O que ninguém conseguia,
Com seu braço e suporte.
Ele a tudo nos supria,
Sem por, tirar ou faltar,
Com desmedida alegria.
Rei, invejoso, retorque:
— Mude o disco da vitrola.
Cê inda me diz assim:
“Deus e o vosso rei, frajola,
São de grande serventia.”
Oh! Que conversa tão tola!
— Mude o disco da vitrola.
Cê inda me diz assim:
“Deus e o vosso rei, frajola,
São de grande serventia.”
Oh! Que conversa tão tola!
O velho ancião rebatendo:
— Só Deus é grande valia!
O rei pouco suportava,
Pois no íntimo aborrecia
A crença do pescador.
Mais e mais, o rei se doía.
Relâmpagos, rudes cóleras,
Fervem nos olhos do rei.
Manda que seu portador
Leve o pescador à grei,
Donde ditará palavra
Que será como sua lei.
Fervem nos olhos do rei.
Manda que seu portador
Leve o pescador à grei,
Donde ditará palavra
Que será como sua lei.
Pescador atravessou
O vilarejo correndo.
Desejou animosamente
Saber o edito metuendo,
Que deixou seu portador
Com as batatas tremendo.
Nas portas do real palácio,
Aguardava-lhe os soldados,
Com elmos, espadas, lanças,
Facas, escudos alados.
Em prontidão todos estavam;
E ficaram alertados.
Aguardava-lhe os soldados,
Com elmos, espadas, lanças,
Facas, escudos alados.
Em prontidão todos estavam;
E ficaram alertados.
Ao verem o pescador,
Tomaram aqueles braços
Pelas suas mãos algozes,
Como por robustos laços.
Foi à presença do rei,
Com senhores nos regaços.
Tomaram aqueles braços
Pelas suas mãos algozes,
Como por robustos laços.
Foi à presença do rei,
Com senhores nos regaços.
Vossa Majestade disse:
— Entrego-lhe essa aliança,
Possui meu nome gravado.
Faço com desconfiança.
Dou-lhe sob pena de morte.
Não lhe afianço esperança.
Caso lhe requeira o anel,
Você não tenha consigo,
Custará vida e apreço.
Boto vosmecê, amigo,
Numa forca preparada,
Perversidade e castigo,
Você não tenha consigo,
Custará vida e apreço.
Boto vosmecê, amigo,
Numa forca preparada,
Perversidade e castigo,
Por falar de Deus Sublime,
E esquecer-se do Monarca.
Pois desaprovo o seu dito,
Nesta longínqua comarca.
Escreva o que lhe desdigo,
Dê escutas ao seu patriarca.
E esquecer-se do Monarca.
Pois desaprovo o seu dito,
Nesta longínqua comarca.
Escreva o que lhe desdigo,
Dê escutas ao seu patriarca.
O matuto pescador
Recebeu o bendito anel.
— Só Deus é grande valia!
Ainda que eu coma fel
E mastigue cruel sobrosso,
Arrotarei doce mel.
Assim disse o velho ancião,
E saiu das vistas do rei.
Vossa Majestade disse:
— Desonrado não serei!
Mandou chamar portador,
Que logo alcançou sua grei.
— A seu dispor, Majestade.
Falou aquele portador.
— Atrele veloz cavalo.
Vá à casa do pescador.
Compre o anel da esposa dele.
Faça isso, bajulador!
Chegando a sua pobre casa,
O velho disse à mulher:
— Cuide aqui dessa aliança,
Senão o rei há de comer
O meu fígado inda vivo,
Com teus olhos hás de ver.
O velho disse à mulher:
— Cuide aqui dessa aliança,
Senão o rei há de comer
O meu fígado inda vivo,
Com teus olhos hás de ver.
Ela enfronhou o anel no lenço.
Botou dentro da gaveta.
Daí, pescador foi ao mar,
Cumprir nova caderneta.
Mulher velou pelo anel;
Guardou consigo a chaveta.
Botou dentro da gaveta.
Daí, pescador foi ao mar,
Cumprir nova caderneta.
Mulher velou pelo anel;
Guardou consigo a chaveta.
Logo o pescador saiu,
Portador bateu à porta.
— Eu quero algo de valor,
Nem que seja porca morta.
Compro por muito dinheiro,
Nem que seja vaca torta.
Portador bateu à porta.
— Eu quero algo de valor,
Nem que seja porca morta.
Compro por muito dinheiro,
Nem que seja vaca torta.
Mulher logo respondeu:
— Somos pobres, desvalidos.
Não há nem o que comer.
Somos muito desprovidos
De porca, ou vaca, ou jumento,
Ou de bens tidos e havidos.
— Somos pobres, desvalidos.
Não há nem o que comer.
Somos muito desprovidos
De porca, ou vaca, ou jumento,
Ou de bens tidos e havidos.
O portador insistiu:
— Eu tenho minha certeza
Que a Senhora me esconde algo
De grande valor, nobreza.
Pode não lhe pertencer,
Mas é objeto de beleza.
— Eu tenho minha certeza
Que a Senhora me esconde algo
De grande valor, nobreza.
Pode não lhe pertencer,
Mas é objeto de beleza.
Mulher caiu na ladainha;
E revelou-lhe o segredo:
— Comigo eu tenho, escondido,
Sob pena de cru degredo
Ou de morte má e malévola,
Um anel pra curto dedo.
E revelou-lhe o segredo:
— Comigo eu tenho, escondido,
Sob pena de cru degredo
Ou de morte má e malévola,
Um anel pra curto dedo.
Portador puxou a mala.
— Dou a mala com meu dinheiro,
Em troca da aliança real.
—Trato feito, Estrangeiro.
Fechou negócio feioso,
Num piscar de olho ligeiro.
— Dou a mala com meu dinheiro,
Em troca da aliança real.
—Trato feito, Estrangeiro.
Fechou negócio feioso,
Num piscar de olho ligeiro.
Aviou-se, foi até o rei.
Entregou a aliança real.
Nisso, pescador viajava
Por todo ponto cardeal;
Cumprindo a profissão,
Alheio à esposa desleal.
Entregou a aliança real.
Nisso, pescador viajava
Por todo ponto cardeal;
Cumprindo a profissão,
Alheio à esposa desleal.
O rei de posse do anel,
Em pessoa, jogou-o ao mar.
Ele maquinou consigo:
“Amanhã eu vou tomar
A vida do pescador,
E Deus nada pode armar!”
Em pessoa, jogou-o ao mar.
Ele maquinou consigo:
“Amanhã eu vou tomar
A vida do pescador,
E Deus nada pode armar!”
Um peixe que cá passeava,
Encantou-se com o brilho
Daquele anel reluzente.
Comeu-o, como fosse milho
Ou tal farinha de trigo;
Peregrinou andarilho.
Encantou-se com o brilho
Daquele anel reluzente.
Comeu-o, como fosse milho
Ou tal farinha de trigo;
Peregrinou andarilho.
Pescador jogou tarrafa,
Capturou um peixe bonito.
Botou debaixo do braço,
O peixe demais aflito.
Ele pegou e não soltou,
Por mais que tivesse agito.
Ao regressar de viagem,
Muita gente fitou o peixe.
Viram peixe, correram,
Tais como moscas, em feixe,
Por dentro do açucareiro.
— Por mal que eu não me queixe,
Por bem que eu não lhe deixo,
Não vendo o peixe a ninguém.
Pode dar grande fortuna,
Pode dar tostão ou vintém,
Pode dar todo palácio…
Careço só o que sustém.
Assim dizia o pescador.
Porém, peixeiro guloso
Ofereceu-lhe uma quantia,
Certo dinheiro vultoso.
Pescador aboticou
O olho, anormal e volumoso.
— Tome! Aceite essa riqueza
E seja feliz, meu velho.
— Se avexe com o dinheiro!
Eu não quero seu trebelho!
Do peixeiro quedou o queixo.
Pintou pimentão vermelho.
— Que vai fazer com o peixe?
— Vou dar pra mulher tratar.
Encher os buchos dos filhos.
— Que pena! Podia enricar…
Os meninos vão à escola;
A mulher, engrinaldar…
Pescador balançou o quengo,
Falou que nem lagartixa,
Não aceitou aquele trato.
Deixou peixeiro sem rixa,
Exclamou assim: — Se pudesse,
Escondia peixe na caixa!
Um marchante, abiscoitado,
Viu o peixe tão reluzente.
E propôs um bom acordo:
— Pescador, homem valente,
Pelo peixe, lindo e gordo,
Não quer terra refulgente?
Pescador, humilde, disse:
— Muito obrigado, marchante!
Sou grato pelo favor.
Mas prefiro ir mais adiante;
Pois o peixe já tem dona,
Que me aguarda cativante.
— Faça bom uso e proveito.
Ah! Se ele me pertencesse,
Estaria na frigideira.
Esse peixe me apetece!
Deixa-me babas de fome.
É como um sonho sem o esse!
Depois de muito tentado,
O pescador parou em casa.
— Mulher, acenda o fogão!
Bota mais lenha na brasa!
Trate desse peixe nédio.
Hoje, de alegria bato asa.
Ao tratar o peixe gordo,
A mulher encontrou aliança.
Lavou que lavou, e enxugou.
Guardou-a com esperança
Acrescentada em Deus lauto,
Daquele anel pela andança.
O pescador se fartou
Com a comida opípara.
Espichou os magros cambitos;
Deitou-se em rede preclara;
Dormiu seu tranquilo sono;
Sonhou com fortuna rara.
Repentinamente ouviu,
Bater contínuo na porta.
Era o portador do rei,
Trazia uma mensagem torta.
Sua Majestade queria
Sua aliança e pescador na horta.
— O rei, disse o portador,
Tem vexame em vê-lo vivo.
Avexe-se, homem de Deus,
Senão o rei me põe cativo.
Ele não brinca em serviço.
Vossa Majestade é ativo.
O pescador aprontou-se.
Vestiu a melhor vestimenta.
Penteou os cabelos lisos.
Arrochou muita pimenta
Na sobra do peixe guenzo.
Acabou com a tormenta.
Fitou de viés pra mulher,
E pediu-lhe a bela aliança.
A esposa deu-lhe em suas mãos.
Agradeceu-lhe a confiança,
Depositada em seu bom colo.
Isto avivou esperança.
Velho seguiu o portador.
Gritou perto do palácio,
Procurando horta grandiosa.
— Veja aquele grande espácio,
Acolá, no átrio nordeste,
Afirmou soldado acácio.
O pescador encontrou
Vossa Majestade e riso.
Usava traje e soberbia.
Perfilava seu sorriso.
Rei gargalhava escondido,
Com seu dente e rosto inviso.
Assim que viu sua vítima,
O rei foi logo dizendo:
— Lembre-se do meu aviso;
Minha aliança, estou querendo.
Não me venha com desculpa,
Ou papo de não sabendo.
— Meu senhor rei, tome aqui,
Oque lhe pertence tanto.
Não desejo choro ou vela,
Nem sou dado a doce pranto.
Entrego-lhe em suas mãos,
Com felicidade e canto.
Perplexo, o rei recebeu
Com desagrado o seu anel.
Olhou cuidadosamente.
Pintou diverso painel.
Sentou-se meditabundo.
Que falsidade a granel!
Mas sabia da honestidade
Daquele homem pescador.
Desconfiou da sua esposa.
Talvez temendo sua dor,
A mulher falsificara
O anel para o seu credor.
O rei empinou nariz,
Ordenou aos seus vassalos:
— Tragam-me a mulher esperta
Desse traste, com cavalos.
O rei provaria as suspeitas.
Queda-se todos os calos.
Vossa Majestade olhou
Para o pobre pescador,
E disse-lhe deste modo:
— E você, seu andador,
Fique quietinho, calado.
Hoje dou de limpador.
Passarei essa história a limpo!
Um guarda trouxe a mulher,
Agrilhoada nas correntes.
Ela parecia colher
Fora da mesa de cear:
Reles e mero talher.
Ao ver seu marido em ferros,
A mulher tremeu na base.
Caçou coragem nas guelras,
Soltou sonora sua frase:
— Meu senhor, por qual motivo
Estou morta por um quase?
— Sua bruxa! Como eu posso
Esta aliança segurar?
Se portador prestimoso
Foi a você para comprar
Este anel por boa quantia
De dinheiro a trotar.
Eu mesmo estive com ele
Em minhas mãos portentosas.
E vi com meus próprios olhos.
Lancei-o em ondas copiosas,
Lá no mais profundo mar,
Ao sabor das marés briosas.
—Isto é bastante fácil
De achar uma explicação.
Basta apurar os ouvidos,
Eu assinei a transação,
Entregando-lhe esta aliança.
Mas Deus pesa cada ação.
Chorei muito, arrependida.
Meu marido veio com peixe,
E mandou-me tratá-lo.
Bem amarrado num feixe
Na barriga estava a aliança.
Por obséquio, cá, nos deixe!
Pois nada temos que ver
Com esse grande mistério.
Como prova veja a marca.
É da faca de minério,
Que largou pista no anel.
O resto é de seu critério.
O rei examinou, e viu
A marca da dita faca.
Vossa Majestade disse:
— Afirmou certo, essa bruaca.
Só Deus é grande valia!
Porque nossa carne é fraca.
Eles dois enricaram.
Viveram demais juntinhos;
Sem passar por precisão.
Tiveram muitos filhinhos.
Foram bastante felizes,
E infelizes de pouquinhos.
— FIM —
Como você escreve bem! Adorei!
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