As Façanhas de Camonge



Autor: Edigles Guedes

Certa feita, Camonge era em demasia

Aperreado por dinheiro ou donzelas.
Todavia, sem trabalho, inda que sagaz,
O estômago cavalga pelas goelas,
A barriga em petição de miséria.
Fazem voltas lombrigas da matéria;
Pinturas sem técnicas de aquarelas;
Na cozinha, aquele botijão sem gás.

Matutou em sentido anti-horário:  — Fazer

O que para pôr dinheiro à sua mesa?
Camonge arquitetou uma ideia supimpa.
Pois foi, lâmpada de Aladim acesa!
O matreiro fez cocô numa estrada.
Cobriu com chapéu sua obra desalmada,
E ficou vigiando-o de sobremesa,
Para tirar o atraso, assoalho à limpa.

Na ocasião, chegou um fazendeiro lhano.

Olhou que olhou, e perguntou, que nem bucha
De canhão dos piratas em seus brigues:
— De quem é o chapéu de feltro com bruxa?
O ladino, sem papas em sua língua,
Sem palavras vãs que vivam à míngua,
Sem largar vácuo do vazio de ducha:
— Meu! — fala sem muitos zigue-zigues.

O fazendeiro, meio cabreiro, indagou:

— E o que é que ele está fazendo acolá?
— É um canário que tem assaz embaixo.
O bicho peguei, sem dizer olá
Viola! Mas o Destino (curva erradia)
Tornou minha vereda escorregadia:
Não o pus em jaula, eu cacei sem gaiola.
Por isso, atraquei tão cabisbaixo.

O fazendeiro, de esporas nas botas,

Inquiriu: — Quer vender esse bruguelo?
— Pode ser, sim… Quanto o senhor vai me dar?
O fazendeiro, de cinto amarelo,
Disse: — Pago cem moedas de bom ouro,
Se ele for grande e valioso tesouro.
Camonge retrucou com seu chinelo,
Fazendo trejeitos de não acreditar:

— É pouco. Caso pague-me duzentas

Moedas d’ouro, é seu; caso, não, é meu
E de mais ninguém! Esse meu bichinho:
O gato quis almoçá-lo, mas comeu
Ferrugem, pois brabo já ganhou briga
De galo; no canto não há quem siga
Seu chilrear mavioso — uirapuru ao léu,
Cantando tão sonsa canção, mansinho.

Ele é garboso e demasiado macho!

Então, o fazendeiro, já careca
Daquela conversa, conclui o comércio:
— Eu pago as duzentas d’ouro, sapeca!
Porém, você vai à Vila Carochinha,
Na bodega de João Anão, criancinha,
Bala de revólver canela seca,
Cão que ganiza, Lua com olho macio!

E traga-me uma gaiola bonitinha.

Camonge, léguas de ligeiro, falou:
— Vou vexado que nem um raio! Todavia,
O senhor há de me pagar — completou —
Logo e emprestar o seu veloz cavalo,
Para ir até lá, voando, qual abalo!
Duzentas moedas, fazendeiro espichou,
Tão rápido quanto linda cotovia.

E ofereceu-lhe a cela e seu animal.

Camonge (era esperta cobra cascavel!)
Montou a cavalo, e ecoou galopes gatos
Galantes a rédea solta e inflamável.
A vila que longe era um bocadinho;
Mas Camonge estava devagarzinho.
Ou foi pegar o bonde desejável,
Ou não se lembrou do trem de seus atos.

O fazendeiro andou aperreado, pena

Brotou em si do canário, bicho leso.
O Sol esquentava ardente fornalha,
E ovo cru assava no asfalto surpreso.
E o passarinho ali, embaixo do calor,
Daquele chapelão de feltro e sua dor,
Sem alpiste, sem água, sem: só preso!
Urubu sem corvo, corvo sem gralha?

Sofrendo qual sovaco de aleijado.

Destarte, o chão fazendeiro houve por bem
Pegar o passarinho e colocá-lo
Na caixa de papelão, qual refém
Sequestrado de seu doce lar doce.
Enquanto isso aguardava, como fosse
Uma derradeira vez, que cada homem
Tem em seu bolso da calça a amansá-lo.

O fazendeiro meteu a mão por baixo

Do chapéu, esgaravatou o bichinho,
Resultou famigerada derrota!
Ele deu por si — pássaro sem ninho
Havia em sua mão —, viu que Camonge tinha
Lhe passado para trás tão asinha.
Levara, sem atropelos, pouquinho
Dote e cavalo; foi-se via sem rota.

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