A História de José e Maria
Velha viúva vivia pobre,
Passando necessidade.
Tinha um filho e filha audaz,
De pouca vivacidade.
O menino era sagaz;
O menino era alfaraz,
Embora de pouca idade.
A criança sonhou bom sonho.
Viu um anjo que lhe alertava:
— José, diga à mãe sofrida,
Que precisão desabava
Se você procurar vida.
Havia de encontrá-la na ida
Pelo mundo, desagrava.
O menino despertou.
Tomou café carcomido,
Engoliu pó preto e envoltas,
Arrotou prato lambido.
A barriga dava voltas,
— A lombriga, viravoltas —
Em vômito dolorido.
Fitou sua bondosa mãe,
Disse-lhe com seu carinho:
— Eu vou caçar minha vida,
Procurar suave caminho,
No meio das trevas sofridas,
De través nas selvas bandidas,
E volto pra nosso ninho.
—Vá, meu filho tão querido!
Só lembre a vereda longa
De regresso à sua botica.
Cantou longe uma araponga.
— Meu coração já suplica…
Fico muito tiririca;
Mas retorne sem delonga.
O nome dele é José;
Sua irmã chamava Maria.
José arrumou sua trouxa,
Tomou bênção na calmaria.
Soubesse topar com bruxa,
Arredaria seu pé, epuxa!
Ele jamais se arriscaria.
José andou, andou, andou;
Até que ele esmoreceu.
Viu de longe uma cabana,
Que crua fumaça desceu.
Viu uma velha suçuarana,
Suja, com nó na pestana;
De medroso, estremeceu.
A velha era muito feia.
Tinha um dente solitário,
Viajando no céu da boca.
Corcova de dromedário;
A cabeça fosca e oca;
Aventa com sua pipoca.
Ralhava dura no diário.
José, na moita, escondido,
Disse consigo somente:
“Não vou falar com a velha.
Aquilo é Diabo demente!
Ela carrega centelha
Do Inferno sem tal parelha.
Ela não é cria de gente!”
Foi ver o que arranjava.
A fome apertava o cinto.
Arrodeou casa de palha;
Vasculhou o labirinto.
Achou um poço com mortalha;
Mas a sede desencalha
No grosso gogó, não minto!
Boquisseco, engoliu d’água.
Sentiu cheiro de coisa boa
No fogão de lenha aceso.
José despiu bruta mágoa;
Viu um bolo grande e ileso;
Um gato magro e sem peso.
Cá fora, caíra uma garoa.
Gato dava com a mão,
Pra ver se roubava o bolo.
A velha bruxa, assim dizia:
— Calma, meu gato de colo!
Após queimar a padaria
Do calango com a cutia,
Assarei o bolo, seu tolo!
O gato miava, pedindo.
— Xô, xô! Arrede, meu gatinho!
Assim que fizer o bolo;
Já, já, dou-lhe um pedacinho.
Ele espiava sem consolo
Gostoso bolo de rolo.
A baba caía de pouquinho.
Enquanto a velhona tangia
O gato, peralta e preto,
Dando-lhe fortes palmadas;
José, de bonito aspeto,
Furtou doze marmeladas,
As quatrocentas coalhadas
Aquele bolo seleto,
Trezentas e duas goiabadas,
Um escondido e bom sonho,
Comeu um peixe abacatuaia,
Comeu tudinho e tardonho.
Até fartar-se em demasia
Pelo tanto que ele comia,
Com sua gula de pidonho.
Rondou por ali até a noite.
Lá, excogitou consigo:
“Não vou mendigar pousada.
Bruxa é pior inimigo.
Vou caçar uma morada
Por essa floresta airada.
Acharei qualquer abrigo.”
De manhã, José espiou.
A velha fazia seu bolo,
José comia essa comida.
Três refeições caíam no alvéolo.
Zé não se lembra da lida,
Nem de sua casa esquecida.
Um urubu voa,altívolo.
Mas a bruxa era matreira,
Pegou certa desconfiança.
Flagrou José lhe roubando
O bolo que era lembrança
Do seu marido nefando
E de seu pai — bruto infando.
Pegou pelo braço a criança,
E disse-lhe desse modo:
— Não tenha medo, netinho!
Era você tal ladrão.
Arranjei-lhe um lugarzinho.
Não vai passar precisão.
Tenho doces de montão,
Aqui, faço até denguinho.
José vendo-se assombrado,
Não reagiu com fortes forças.
A bruxa pôs num caixão
Aquela pequena alcorça.
Passarinho sem canção,
Noiva sem anel na mão.
Foi pra prisão como corça.
Laço de passarinheiro
Algemava o seu ânimo.
A velha dava comida.
Ia, voltava num átimo.
Bruxa de estirpe aguerrida.
Preparava sempre a saída;
Chegava: riso lídimo.
Vamos deixar o José
Com feiticeira querendo
Comer-lhe o magro fígado.
Vejamos Maria tecendo
Lágrimas de desagrado,
Choro de pranto molhado.
Pelo irmão está sofrendo.
— Minha mãe, faz muito tempo
Que José foi e não voltou.
Posso ir atrás do meu irmão?
Maria, jururu, falou.
Aguardou sonoro não
Da mãe desse rapagão.
Devagarinho, escutou.
— Minha filha, se você quer,
Então vá; mas eu não mando.
Maria asseverou:— Eu vou!
Vou ver o que faço andando.
Pegou trouxinha e largou.
Lá, não se desenganou;
Na vereda, caminhando.
Maria prendeu lagartixa
Na ponta dum bom barbante
E guardou no seu vestido,
Pretendia brincar bastante.
Continuou caminhar doído,
Comendo milho florido
Na terra de mãe galante.
Longe, a fumaça subindo.
Daí,viu casebre da velha.
Escondeu resto do milho.
Espionou por uma telha.
Observou de afogadilho,
Com seu traje de andarilho.
Maria topou com a velha.
— Não tenha medo, netinha!
Tenho um negócio supimpa.
Cê vai ficar com netinho.
Um sai e lava; e outro limpa.
Um cai; outro faz carinho.
Um vai; outro faz biquinho.
Um distrai; outro garimpa.
A bruxa sacudiu Maria,
Foi pra dentro do caixão
Malcheiroso, feio e escuro.
Lá topou com seu irmão.
— José, você no monturo?
—Sou eu, passando um apuro,
Com vida na contramão.
— O que essa bruxa deseja?
— A velha vai engordar
Cada um de nós; a seguir
Vai comer e devorar
Nosso fígado e sorrir.
A vida dela é parir
Impiedade devagar.
—Vai não, meu mano José!
Você engana a megera.
—Como faço tal façanha?
Trouxe lagartixa fera,
Que nos livrará com manha,
Pois gigantesca artimanha
Engendrei nessa cratera.
A bruxa velha indagou:
—Meu netinho está gordinho?
Dá-me cá dedinho lindo!
José botava o rabinho
Da lagartixa, servindo.
Feiticeira conferindo,
Dizia que estava magrinho.
Depois de dez dias, voltou.
— Meu netinho está gordinho?
Dá-me cá dedinho fino!
José botava o tronquinho
Da lagartixa, mofino.
Bruxa de gênio canino,
Dizia que estava magrinho.
Daí,José botou mindinho,
Seu-vizinho, maior de todos,
Fura-bolo, mata-piolho,
Até que findou engodos.
O dedo como ferrolho
Estava grosso, com molho
De gordura nos cômodos.
A velha abriu caixão negro.
Primeiro, saiu José;
Depois, a Maria dengosa.
Saíram como garnisé,
Prontos pra briga abismosa.
A comida saborosa
Caiu no papo da maré.
A feiticeira ordenou:
— Peguem lenha pra fogueira!
Maria disse muito triste:
— Não fugimos dessa asneira…
A velha, com dedo em riste,
Ditava cômico chiste.
Quer madeira na lareira.
José cortava a madeira,
Maria carregava a lenha.
Os dois estão enrascados,
Caíram duma grande penha.
Que eles fossem ajudados,
Pediam, bastante calados,
A Deus soberano em senha.
Do Céu desceu um anjo lindo,
Forma de luz celestial,
Que fulgurava, valente.
O anjo disse algo crucial:
— Não fiem em senil demente.
Ela comeu muita gente
Em festejo acre e bestial.
Não subam na prancha enorme.
Quando a vítima lá dança,
Conversando como réu;
A bruxa empurra e balança,
Até cair no fogaréu.
Eis que padece ao léu.
Este é o final da andança.
José logo maquinou
Plano muito bem bolado.
Terminaram o serviço,
Deitaram o machado.
A velha estirou um caniço,
Que era de lei, tão castiço,
Como tabuão martelado.
— Subam na prancha, netinhos!
Cantem e dancem pra mim!
Quero ver cada um pular.
A Maria falou assim:
— Não sei cantar ou dançar…
Mamãe ficou de ensinar,
Mas vim dar nesse jardim.
— Eis que você, meu netinho,
Sabe cantar e dançar…
José, muito astuto e esperto,
Respondeu sem titubear:
—Eu tenho pé bem aberto;
Meu passo é bastante incerto.
Não sei sequer começar.
Porque você não me ensina
Passos do forrobodó?
A feiticeira malvada,
Que ficou no caritó,
Achando-se abalofada,
Arregaçou saia rodada,
E disse: —Saia daí, bocó!
Eu mostro a você o molejo
Do xaxado e do baião.
Até dança da garrafa,
Com bumbum descendo ao chão.
Meto-lhe enorme tarrafa,
Se me tentar com girafa
Ou pirraça, de antemão.
Avelha subiu na prancha.
Requebrou nobre esqueleto;
Rebolou com seu traseiro.
Pinoteou naquele espeto,
Como mico zombeteiro.
Como macaco treteiro,
Balançou do pé ao teto.
Ah! Foi tanto remelexo,
Que seu quadril quase quebra
Quase desconjunta o braço,
Quase pula uma vértebra.
Por um triz não rompe o laço,
Deixa da bruxa um bagaço.
— Vamos, José, muita febra!
É necessário dar cabo
Dessa execrável criatura!
Disse Maria muito aflita.
Na sua boca havia secura,
Por medo de sua desdita.
Onde achar uma guarita
Com a feiticeira agrura?
José, cabra destemido,
Macho da gota serena,
Empurrou, com força, a velha.
Maria, bastante pequena,
Retirou a prancha relha.
A feiticeira, vermelha,
Caiu na panela, sem pena.
A feiticeira coroca
Chorou os seus malefícios,
Expôs seu duro dilema.
Mas não existia artifício
Que a salvasse do esquema,
Plano traçado, anátema.
Não goza de benefício.
A água fervente consome
A velha bruxa, insistente,
Diz com cara de santinha:
— Meu bom netinho decente,
Liberte sua vovozinha,
Que forrarei sua caminha.
— Você é malvada e mente!
Vai receber o castigo,
Tanto tempo merecido.
Aprenda a não comer gente!
Disse já embrutecido
O menino inteligente.
Avelha morreu no quente,
Soltou o último gemido.
De repente, um cruel pipoco
Estoura aquela panela.
E no lugar da megera,
Surge a botija amarela.
Deram adeus à má fera.
Pularam na crua cratera;
Pegaram dinheiro dela.
Correndo atravessaram
A descomunal floresta.
Viram, ao pé da janela,
A mãe, paciente e modesta,
Regando rosa amarela.
No céu brilhava uma estrela.
Na terra fizeram festa.
Foi ciclópica seresta…
Teve fogos de artifício;
Teve bolinhos e velas.
Nesse momento propício,
Revelaram moedas, telas,
Riquezas, joias, aquarelas.
Viviam desse benefício.
E – is que findou esta história,
D – itada por pai velhote.
I – nda salto de corcovo,
G – rudado no seu cangote.
L– eve este folheto novo
E faça omelete de ovo;
S – enão lhe dou um cocorote!
— FIM —
28/02/2016.
Ah, que maravilha! Estou adorando seu blog!
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